Este aplicativo, com o modelo contratual para o recebimento do pagamento justo por Serviços Ambientais para Agricultores Familiares no Mercado de Carbono é o Produto Final da Tese de Doutorado do Pesquisador Julio José Torres dos Santos junto ao Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial – PPGADT da Universidade do Vale do São Francisco – UNIVASF, na linha de Pesquisa: IV – Convivência com o Semiárido, Inovações Sociotécnicas e Desenvolvimento.
Constata-se nos documentos oficiais resultantes dos painéis intergovenamentais que a questão do controle de emissão de carbono é a questão fundamental para o equilíbrio do clima e consequentemente para a sustentabilidade do planeta terra. Há um consenso quanto aos impactos e efeitos do aquecimento global sobre a vida de todos os habitantes da terra e que é necessário remunerar os que tomam medidas para evitar ou minorar tais efeitos. Neste debate, sendo eu um profissional da área do direito, entendo que posso dar uma contribuição importante para o tema trazendo para dentro das exigências estabelecidas nos painéis institucionais as exigências dos agricultores familiares de também serem remunerados pelos serviços ambientais. Os pagamentos beneficiam atualmente apenas os grandes agricultores por disporem de meios adequados para essa finalidade, à exemplo de assessoramento jurídico e de profissionais de outras áreas. Por esta razão, a elaboração de um modelo contratual para o pagamento justo de serviços ambientais no mercado de carbono para os agricultores familiares de há mauito era uma necessidade desta categoria de produtores.
Documentos oficiais estabelecidos pelo MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - não contempla o agricultor familiar, pois, historicamente os mesmos tem sido omitidos dos documentos oficiais, muito embora do ponto de vista quantitativo sejam a maioria dos que trabalham no setor agropecuário. Ressalte-se o fato de que o agricultor familiar é que produz alimentos, ao passo em que o agronegócio mesmo tendo importância para o crescimento do PIB ao produzir commodities para exportações tais como soja, algodão, mamona, laranja e outros produtos da pauta de exportações, não podem ser comparados com a agricultura familiar que além de produzir de forma agroecológica e limpa, ou seja, sem utilizar agroquímicos, têm os mesmos uma cultura com uma função importantíssima que é colocar alimentos na mesa dos consumidores, contribuindo decisivamente para a segurança alimentar. Isso não pode ser dito quanto ao agronegócio, com exceção de alguns produtos como o milho, feijão e a soja, porque são commodities cujos preços são fixados em dólar. Pelas razões antes mencionadas, o fortalecimento da agricultura familiar produzirá o efeito sinérgico do empoderamento desta população, possibilitando para ela a geração emprego e renda, além de outros efeitos benéficos.
As leituras dos relatórios sobre os Fóruns Internacionais sobre o Clima, bem como, o Plano ABC e ABC+ - Agricultura de Baixo Carbono elaborado pelo MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criado pela Lei nº 12.187 (BRASIL, 2009), para apoiar o atendimento aos compromissos assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional no Acordo de Paris – que busca conter o aumento da temperatura média global em até 1,5°C acima do período pré-industrial e no máximo 2,0°C, até 2100 – para o enfrentamento das mudanças climáticas (UN, 2015), igualmente me fizeram perceber que o mesmo ficou restrito aos médios e grandes produtores de commodities de exportação, o que deixou-me incomodado (LIMA; HARFUCH; PALAURO, 2020; MAPA, 2020).
Em 1987, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou à comunidade internacional o relatório de Brundtland ou Nosso Futuro Comum, evidenciando que o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades. Na sequência, em 1997, a Conferência das Partes da ONU aprovou o Protocolo de Kyoto, que estabeleceu um cronograma de limitações quantitativas para as metas de redução e limitação da emissão de GEE: na média de 5,2% abaixo dos níveis de 1990, no período de 2008-2012, como patamar de segurança que impedisse uma interferência perigosa no sistema climático e de consequências ambientais desastrosas.
Essa coerção imposta por organizações internacionais pressionou os países signatários a cooperarem com vistas à solução do problema ambiental, mas, a solidariedade desses atores é movida por interesses e vantagens, daí o porquê doProtocolode Kyoto ter sido previsto um retorno financeiro pela comercialização de créditos de carbono para aqueles que não poluíssem.
Para tanto, o protocolo incluiu o instrumento de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, cujas atividades elegíveis são o florestamento e reflorestamento, sob a alegação de que as árvores reduzem os extremos climáticos com a fixação de carbono. Pela fotossíntese, uma árvore remove o gás carbônico atmosférico que, com a incidência da luz solar e em simbiose com a água, é transformado em energia para a promoção do crescimento e manutenção da vida da árvore, fixando-se o carbono do gás na biomassa aérea, na biomassa subterrânea e no solo (CRUZ et al, 2021).
O mercado de carbono negocia dois tipos de ativos: i) licenças de emissão alocadas num regime de metas e negociação do Protocolo de Quioto; e ii) reduções de emissões baseadas em projetos que incluem o MDL e a IC. Por outro lado, de forma sintética, pode- se dizer que o mercado de carbono se encontra dividido em dois segmentos: i) Quioto, liderado pela União Europeia (UE); e ii) não Quioto, com a liderança dos Estados Unidos (CARVALHO, 2010).
Para o Brasil, país signatário do protocolo e constituído por biomas que proporcionam muitas opções para projetos florestais, o sequestro florestal de carbono pode representar a possibilidade de restaurar áreas protegidas degradadas e induzir o uso sustentável da terra na caatinga.
Analisando a agricultura familiar e os diversos itinerários tecnológicos que incluem a manutenção da cobertura vegetal, é possível admitir ser ela de baixa emissão de carbono, uma vez que, nessa tipologia, quase sempre a adubação das plantas é feita por orgânico. Claro está, portanto, que a marginalização da Agricultura Familiar no ABC e no ABC+ é resultado do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro, o qual privilegia os grandes empreendimentos, desconsiderando o seu protagonismo social e político.
Os movimentos e as organizações sociais da Agricultura Familiar têm sido atores muito importantes no processo de construção da pauta da Reforma Agrária e das políticas públicas no Brasil. Ao lado de iniciativa do Estado e da academia, os movimentos sociais desempenharam um papel fundamental na definição da Agricultura Familiar como um modelo de agricultura, como categoria agregadora de direitos e como identidade política unificadora de uma diversidade de unidades familiares no campo, merecendo destaque as lutas das mulheres rurais por acesso aos direitos e pela construção de espaços de autonomia (CANO, 1998; FURTADO, 1980).
Diante dessa realidade, o mercado de carbono, instituído pelo Protocolo de Quioto em 1997 e já devidamente assumido pelas leis internacionais como MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, criado para auxiliar o processo de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), ou de captura de carbono, não tem beneficiado os agricultores familiares no Brasil, por falta de um modelo contratual que possa ser utilizado por eles e para receberem pagamento justo pelos seus serviços ambientais, o qual está disponibilizado neste modelo oposto.